sábado, 9 de junho de 2018

Os oito Quadrados do Inferno Funkesco


Nas profundezas além deste mundo, há um lugar bem quente, do qual o Capeta tem o domínio completo (além, claro, do domínio completo das almas que por lá fazem morada). Não, não me refiro ao baile funk do Jacarezinho: este lugar é o Inferno Funkesco.
O Inferno Funkesco é um lugar dividido em oito lotes, chamados de Quadrados (também chamados carinhosamente de Quadradinhos). Conforme o nível das transgressões às Leis de Deus ocorridas neste mundo, cada alma é encaminhada para um dos Quadrados; os primeiros são para os pecados leves e os últimos, como o sétimo e o oitavo, para os mais graves (ou para aquelas almas que cometeram uma soma de pecados de todos os tipos).
As almas que vão para cada Quadrado escutam todos os dias—e escutarão por toda a eternidade—o supra-sumo do funk carioca (e, conseqüentemente, da música brasileira).

Para haver justiça e conceder às almas um funk sob medida para cada nível infernal, há um DJ especializado, um produtor musical e uma equipe, composta por banda e técnicos de som (a iluminação é dispensável, pois nada ilumina melhor que fogo em abundância por toda a parte); esta equipe de banda e técnicos é acionada mesmo quando não há shows ao vivo, para ensaios e manutenções preventivas.

Os oito produtores musicais, certa vez, se reuniram com Satanás num encontro denominado Senta no Tridente para definir quais músicas e quais artistas ficariam em cada Quadrado. Houve bate-boca, troca de tapas e socos e até tiros de fuzil entre os produtores—já alcoolizados, pois ninguém é de ferro para agüentar uma reunião de dias a fio sem tomar umazinha-- cada um praticamente irredutível nas suas posições. Com a intervenção do Capeta (que não interveio antes porque estava se deliciando com a balbúrdia) e de seus fiéis soldados e assessores demoníacos, os ânimos outrora exaltados voltaram ao estágio civilizado—diria menos bárbaro—e um consenso foi estabelecido depois de um amplo debate de nada menos de duas semanas.

Os Quadrados assim ficaram definidos:


Primeiro Quadrado: O primeiro Quadrado é composto predominantemente pelo mulheril do mainstream do funk carioca—há homens também, como Nego do Borel--  que canta funk sem palavrões (às vezes até sem putaria); Anitta, entoando o “Vai, malandra/eu tô louca, tô brincando com o bumbum” e o “Tá fazendo tudo que eu mando/Tá achando que logo vai me ter”, é sua maior representante. Ela não fica sozinha (solteira, sim; sozinha,nunca!): Ludmilla, Jojo Todynho e outros também a acompanham;

Segundo Quadrado: Unissex, mas predominantemente masculino, reúne a nata do funk ostentação (às vezes, ficando só na ostentação mesmo, sem putaria nem apologias). “De Range Rover Evoque/Na pista eu arraso”(MC Guimê; não confunda com o gibi da Turma da Mônica!) é um notório hit do segundo Quadrado;

Terceiro Quadrado: Composto por mulheres notórias na arte da melodia da putaria; Valesca  “Quero Te Dar” Popozuda e Tati Quebra-Barraco, com seu “Dako é bom/Dako é bom” ,são as rainhas absolutas do terceiro Quadrado; mandam um beijinho no ombro para o recalque das outras intérpretes deste setor passar bem longe. Se tentar bater de frente, elas quebram o barraco com tiros, porrada e bomba, mantendo assim sua realeza nobre. Este Quadrado aloca também algumas não tão notórias, como as MCs Princesa e Plebéia(“Pirpirilimpipim da periquita/ Vou te enfeitiçar e acabar com a sua pica”) e a MC Carol, levando o “funk feminista” ao Inferno com “Meu namorado é mó otário”;     

Quarto Quadrado: Trepar, foder, meter, piroca, boceta, cuzinho, sentar e outros congêneres são vocábulos constantes do quarto Quadrado em diante. Neste Quadrado, ficam os homens que já entoaram ou vivem de fazer uma espécie de Pornhub para cegos, mas que têm algum capricho nas suas produções. MC Livinho, vulgarmente conhecido como Oliver, marca sua presença neste círculo com “Minha rola vai em você/ E quando eu colocar/Vê se geme baixinho/Pra ninguém perceber”; muitas vezes, a sacanagem aparece implícita nas letras;

Quinto Quadrado: Pornofonografia um pouco mais hardcore, mais explícita, sem tanto cuidado com a parte vocal e, digamos, musical como um todo. Aqui cabe um bom grosso (sem trocadilhos!) dos homens que vivem de produzir o bolo funkal no Brasil.  
Alguns exemplos: Mr.Catra (“Mama me olhando, vai!/Mama me olhando/Mama me olhando porque eu tô me apaixonando”); MC TH (“Tipo ginecologista/De buceta nois entende/Pergunta a ela lá se ela se arrepende”);MC Pikachu (“Tava no fluxo/Avistei a novinha no grau/Sabe o que ela quer?/Pau, pau, pau, ela quer pau”);


Sexto Quadrado: No sexto Quadrado, a Erva do Capiroto e o Pozinho Branco Maldito começam a aparecer como o oitavo Bonde das Maravilhas do Mundo Moderno; maconha e coca misturadas com piroca dão o tom neste setor do Inferno Funkesco.
Exemplo: “Teu cheiro de piranha ficou na minha roupa/Que foda gostosa que a gente fez/Fodi pra caralho e gozei na tua boca/Depois daquele skank enlouqueci de vez”(MC Juninho Life) [1] ;

Sétimo Quadrado: O tráfico de drogas e a bandidagem como um todo são exaltados como virtudes máximas; o ápice da masculinidade e da realização das almas do sétimo Quadrado. Há também o incentivo ao consumo de drogas do sexto Quadrado.
Democrático, o sétimo Quadrado aceita de famosos até zés-ninguéns que só cantam em bailes funk no morro uma vez na vida e outra na morte.
Exemplo: O plano de assaltar a casa de um coreano de classe média alta é descrito com naturalidade em “Casa do Coreano”, de MC Kauan; esta vale até colocar a letra inteira para você mesmo ver com seus próprios olhos:

Hoje o dia tá nublado
O sol tá querendo sair
Essa noite, pensativo, eu não consegui dormir
Pensando, imaginando, bolando um grande plano
Detalhes de todo canto da casa do coreano

Que tem circuito interno e é bem distante da favela
Pra dificultar entrada em cima tem cerca elétrica
Mais nois não se intimida trabalha com muita calma
A família é 4 equipe cada equipe 4 cara (então vai)

Primeira equipe é quadrilha de ladrão frentinha,
Marcio
E manquinho * parooooo falta o tom

Agora a segunda equipe os cara age numa booa
Thiaguinho vem branquinho vem lentão e vem coroa
Que a casa do coreanoo
Parece casa de filme pro assalto ficar perfeito

Nois chama a terceira equipe
Mizuno dentro do carro já preparado pra fuga
Felipe no banco de trás com William Gordão
E com Cazuza... NG, linha de frente desse aí eu não
Me esqueço, Keit; Caxa e Diego na contenção do
Dinheiro
Foi mais de 1 milhão de dólar que a família arrecadou
E com nois é o seguinte não pagou nois torturou
Isso é só bandido antigo de antigas tradições
Não conto de mil em mil é de milhões pra milhões

Mizuno habilitado e o Caxa habilitado!!
Por ser especialista invadir encapuzado
Frentinha habilitado, Manquinho habiltidado por
Especialista invadir encapuzado heeein!!

Assalto bem sucedido passo no plantão da Globo
Isso foi noticia urgente noticia pro mundo todo
Até o Datena ouviu e ficou impressionado com a
Quadrilha
Especialista invadir encapuzado
É que todos nos somos de alta periculosidade
Cada integrante do grupo é formado em faculdade
E metade do malote é gasto em baile funk e é por isso
Que eu te falo é kit de traficante...!!

É camarote fechado rodeado de mulher Ecko, Oakley na
Camisa
Na bermuda e no boné...
Alguns de camisa polo outros de cordão de elite
Alguns de 12 pino e outros de puma disk
Aqualand modelo novo com o fundo fluorescente
Sminorff na mão e a fumaça na mente...
E alguns de boné pra frente outros com boné pra trás
Cada integrante gasto uns 900 reais
Na picadilha da baixada no naipe do litoral
Salve, salve pro primeiro comando da capital...
É conceito de bandido pique uma reunião
Tu não sabe o que que isso??
É baladinha de ladrão....
Tu não sabe o que que isso??
É baladinha de ladrão....

É claro que não pára por aí: Há um MC Brisola (nome bem sugestivo em todos os sentidos!) que manda a mulher “Sentar pros Trafica”(“O 33 patrocina/Então pode vir sem medo/Senta pros trafica, pros campana e os fogueteiro”). Os exemplos se multiplicam como coelhos e ervas-daninhas.
A polícia de Satanás não combate isso, uma vez que apologia ao crime não é crime no Inferno Funkesco; os funkeiros desse tipo até ganham muito dinheiro via decretos assinados diretamente pelo próprio Capeta;





Oitavo Quadrado: Como filha-da-putagem pouca é bobagem, o Encardido e os oito produtores musicais deixaram o melhor para o final. No oitavo Quadrado vale tudo: Consumo de drogas, pedofilia (se aparecerem necrofilia e zoofilia, também poderão se estabelecer de boa no local), apologia à bandidagem e outras belezuras do tipo. Além disso, todos os outros artistas dos sete Quadrados anteriores se apresentam juntos, semanalmente e ao mesmo tempo, num festival praticamente obrigatório para eles, chamado de OitavoFest. No OitavoFest, as almas são castigadas direta e simultaneamente por Anitta, MC Kevinho, MC Carol, Ludmilla, Jojo Todynho, MC Livinho, MC TH, MC Juninho Life, MCs Princesa e Plebéia, MC Pocahontas, Dani Russo, MC Brisola e tudo o mais que houver e não houver no funk.


Este, ao menos, é o retrato da visita que fiz recentemente (6 meses atrás) ao Inferno Funkesco; o Capeta e os produtores musicais modificam periodicamente os artistas e as músicas de acordo com as tendências que lançam ao Inferno e ao mundo, mas mantendo a proporção e o tipo correspondentes a cada Quadrado.



Notas:
[1] “Skank” não é, obviamente, a banda brasileira de Minas Gerais: é uma droga derivada da maconha que é mais potente que a própria maconha em si.

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Inferno funkesco sem shows

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