terça-feira, 23 de abril de 2019

Vídeo,Acerto,Rebuliço


Vídeo, Acerto ,Rebuliço
Yan Marinho

Há até não muito tempo, sua gloriosa e exclamativa ausência das quatro linhas brancas era o símbolo máximo do atraso do futebol em relação a alguns outros esportes, como vôlei e tênis; os apaixonados pela multiplicidade desportiva, tomados pela furiosa vontade comparativa, pediam calorosamente a vinda de algo que fosse ao menos parecido com os desafios, que, há algum tempo, já habitavam os hábitos de alguns torneios de vôlei e enxugavam das quadras a dúvida e a polêmica dos lances como aqueles que enxugavam o suor dos jogadores do piso nos intervalos entre—ou dentro dos—sets.

Eis que, numa explosão da criatividade tecnológica, surgiu o VAR—Video Assistant Referee, ou Árbitro Assistente de Vídeo --, que veio com similares objetivos para o futebol. Sua data de nascimento é nublada pela incerteza, mas o espanhol Francisco López diz ter sido o primeiro na história do futebol a apresentar um projeto chamado El futbol del siglo XXI: Tecnología de futuro para los equipos arbitrales (O futebol do século XXI: Tecnologia do futuro para as equipes de arbitragem) em 1999. A invenção do projeto de López teria um sistema composto por monitores—que recuperariam as imagens vindas do campo—e uma comunicação via rádio com os árbitros no campo em certas situações do jogo. Este sistema ficaria numa sala de controle e, por ser parecido com o que vem sendo implantado, criou uma disputa judicial entre a FIFA e Francisco, que quer quinze milhões de euros pelo uso do VAR e diz ter todas as provas de ter sido criativo, incluindo registros de propriedade intelectual.[1]

Admitindo que López realmente tenha sido o criador do VAR, a magnífica idéia repousou num sono que quase completou a maioridade--dezessete longuíssimos anos!--, entre alguns pequenos e noturnos despertares ali e acolá no começo da década de 2010; na mesma década, em 2016, ela resolveu levantar e aparecer na janela iluminada pelos refletores e contemplada pelos olhos do mundo nos EUA, ainda com os passos preguiçosos de quem acabou de acordar; nos anos seguintes, já mais acordada, na Europa, na Copa do Mundo, e em certos torneios regionais do Brasil.

O principal objetivo de o  VAR ter sido criado e (tão tardiamente) colocado para funcionar é trazer(um pouco de) justiça para um esporte já manchado por vários casos de manipulação de resultados—algumas vezes, bem sem-vergonha, explícita, descarada mesmo!—, a ruim e velha roubalheira.



Mas vou ser sincero com você que parou para ler estas linhas: não creio que Themis descerá do Olimpo, vai dar um beijo helênico nos bilhões de amantes e acompanhantes do futebol e colocará todos os lances polêmicos do ludopédio na sua divina balança, tornando cada estádio um pedacinho dos Campos Elísios; afinal, o falho e corrompível homem ainda está ali, na frente das telas que revisam os lances, ainda que possa ser amarrado pela vergonha numa possível tentativa de roubar ou mesmo num erro grosseiro.

Contudo,vendo algumas confusões e demoras que atrapalharam--e muito!-- o andamento de algumas partidas(Zidane chegou a dizer,como técnico do Real Madrid e com certa razão,que o VAR era fonte de confusão!),sugiro algumas modificações que poderão fazer com que a divindade dê ao menos um aceno olímpico para todos que compõem o futebol,deixando tudo um pouco mais justo e fluido:

1)Uma vez que o VAR pode ser usado em só quatro tipos de lances--e quase nenhum é interpretativo--,o árbitro de vídeo poderia ter poder de decidir e anular erros independentemente do árbitro principal de campo quando o lance não fosse interpretativo. Eu sei,eu sei,isso faria com que o A da sigla VAR perdesse todo o sentido(passaria a ser,de fato,um árbitro de vídeo,não um árbitro assistente de vídeo) e poderia causar alguns problemas,passando pela falta de transparência e até a desmoralização dos árbitros de campo--como se,em alguns casos,fosse possível desmoralizar mais,mas isso é outra história. Por isso,proponho a exibição detalhada da decisão sobre o erro/dúvida nos telões dos estádios e nas transmissões de TV,dando mais transparência ao processo;

2) Prosseguimento da partida enquanto o erro/dúvida é revisto(a):deixaria o jogo mais fluido,e evitaria as longas paradas--algumas chegando a até cinco(!) minutos. A decisão seria informada pelo telão e pela transmissão com a bola rolando,conforme o número 1;

3)Os capitães e os técnicos dos times(e ninguém mais!) poderiam pedir revisão do árbitro de vídeo caso tivessem dúvidas,exatamente como já há em torneios de vôlei; o delegado da partida ou o quarto árbitro julgaria se o pedido é válido ou não. Contudo,para não prejudicar o andamento da partida(conforme o número 2),o número de vezes em que se poderia pedir revisão teria de ser extremamente limitado(duas vezes por tempo,ou mesmo por partida,somados os pedidos de capitães e técnicos. Havendo prorrogação,o número poderia aumentar para três ou mesmo quatro se a quantidade de dois pedidos fosse considerada por partida,e não por cada tempo.)

Durante a sua leitura,podem vir muitas outras propostas--umas melhores,outras nem tanto--,mas essas são as que eu penso ser fundamentais para que o VAR seja fonte de mais acertos e menos rebuliços em meio a todos esses vídeos e olhos tão tensos e vidrados.



Notas:
[1] https://www.marca.com/en/world-cup/2018/06/30/5b376a3e268e3e09138b45d8.html



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